Ouvi alguém comentar: não me interesso por carnaval, o que importa é o feriado. É assim que soa o movimento destes próximos dias. Uma espécie de fechamento do tempo de férias e entretenimento que move as pessoas nestes primeiros meses do ano.
Cria-se uma espécie de necessidade de curtir dias diferenciados. Algo como um rito de transição para a vida normal do ano. Sair de casa é também um ato simbólico de rompimento com o cotidiano. Fazer festa, extravasar…
As raízes desta tradição ancoram-se no período medieval europeu. A vida, no seu normal, era considerada um “desterro” a ser cumprido num “vale de lágrimas”. Romper com este cotidiano exigia um ritual marcado também pelo cunho sagrado. Daí a festividade carnavalesca ancorar-se num calendário religioso católico romano. Antecede o período de quaresma. Desta forma, legitimava e, ao mesmo tempo, estabelecia limites à possibilidade de romper com o convencional. Uma das características da festividade era zombar do ordinário. Pobres vestiam-se de ricos e zombavam de autoridades. Ridicularizam. Porque assim era permitido, nestes dias. Um alívio para o vale de lágrimas.
Quem dera pudéssemos reviver esta ideia da “desordem”. Não da promiscuidade, mas da inversão de uma ordem social que se mantém privilegiando poucos. A desordem, neste caso, é uma manifestação de que a vida em sociedade pode ser experimentada de outra forma. O que para alguns expressa a ideia de que “um outro mundo é possível”.
Escolas de Samba conseguem, em algumas circunstâncias, levar para as avenidas esta sistemática de questionamento da ordem. Não porque cultuam a desordem, mas porque questionam pela possibilidade de uma outra ordem.
Também é nesta perspectiva que construo esta provocação.
Afinal, a quem interessa a ordem do mundo do jeito que aí está? Ou, reescrevendo a pergunta: entendemos que, de fato, o mundo caminha de forma ordenada?
Ocorre-me que a própria ordem da vida a pela experiência de uma “desordem” do ordinário. O parto provoca crise, dores e inseguranças. Por mais que seja comum, provoca uma crise no cotidiano. Uma desordem necessária para que a vida venha à luz.